quarta-feira, junho 21, 2006

A Coluna por... Hugo Alves do blog Amarcord

A política Hitchcock

Quando, em 1960, Alfred Hitchcok estreou o filme Psycho, fê-lo de modo a manter o mais absoluto secretismo relativamente ao enredo do filme. Com o fito de manter, ao máximo, o secretismo e, consequentemente, aguçar a curiosidade de todos os potenciais espectadores, Hitchcock, numa brilhante política de marketing, criou o conceito “Política Hitchcock”.

Trata-se de uma política muito simples: Hitchcock solicitava aos seus espectadores que não contassem o enredo do filme aos seus amigos, sob o pretexto de desejar que os espectadores se deslocassem aos cinemas sem qualquer ideia prévia, de modo poderem avaliar, por si, a qualidade do filme e a poderem retirar o máximo do mesmo.

Todavia, o elemento da política Hitchcock que pretendo salientar é outro. Com efeito, sempre guiado pela máxima de que o espectador deveria retirar todo o divertimento possível do filme, Hitchcock forçou a implantação de hábitos muito rígidos em todos os cinemas que exibissem Psycho: não poderia ser vendido um único bilhete após o início da projecção. Todo o espectador incauto que chegasse atrasado, teria de se contentar com uma de duas alternativas: ou voltava noutro dia (desta feita, a horas) ou esperava pela próxima sessão. Adicionalmente, para que os espectadores estivessem cientes das horas, uma voz of, no recinto do cinema, indicava-se qual o tempo para o início da sessão: Ten minutes to Psycho time, five minutes to Psycho time,…

Motivo: Hitchcok entendia que o espectador só se divertiria e tiraria o máximo proveito do filme se não perdesse um único segundo. O cerne desta política estava ligado à ideia de “viver” Psycho (experience Psycho)

Ora, volvido quase meio século sobre a estreia de Psycho, creio que urge repensar a utilidade deste aspecto particular da política Hitchcock. Na verdade, cada vez mais me sinto incomodado – e julgo não ser o único - com o triste hábito de os cinemas lusos permitirem a entrada de espectadores retardatários. Por vezes com um bom quarto de hora de atraso, ou mais…

Conforme é facilmente perceptível, a entrada de um espectador retardatário perturba, distrai e, por via de regra, é barulhenta, levando, também, ao acto muito incomodativo de as pessoas terem de se levantar para que o retardatário possa ocupar o seu lugar. É todo um ritual que é violentado e frustrado. Efectivamente, a sala escura cujo silêncio apenas é interrompido pela voz dos espectros e pela música que os embala e anima foi concebida para, durante uma projecção, permitir viver experiências por parte dos espectadores.

Acontece que para tais experiências possam ser vividas, é mister que não haja interferências externas. Sendo assim, lanço mais um repto: porque não proibir a entrada de espectadores na sala após o início da projecção? Trata-se, aliás, de política já seguida, com sucesso, por alguns Teatros. Na verdade, quando um filme é concebido, montado e distribuído é intenção de todo o realizador que o filme seja visto na íntegra. Por isso mesmo, creio que a política Hitchcock se impõe: ela tem tanto de respeito dos espectadores para com realizador, produtor, argumentista e actores, como é um sinal de respeito dos proprietários das salas de cinema para com o espectador, que paga para ver um filme e não uma projecção plena de peripécias, ruídos de fundo e incómodos causados pelos que chegam tarde.

Concluo com uma observação: que se saiba, aos retardatários é cobrado na íntegra o preço do bilhete sem que haja lugar a desconto. Ora, esse preço é o melhor dos indícios que o bilhete granjeia o acesso à projecção integral de um filme e não a uma determinada percentagem da película… Por isso mesmo, impõe-se a adopção da política Hitchcock. Algum voluntário para a implantar?

Hugo Alves

5 Comments:

At junho 23, 2006 10:43 da manhã, Blogger Hugo said...

Olha que essa do vigilante não está mal apanhada. :-)

Para veres o meu grau de irritação, conto-te a última "aventura retardatária":

está este projecto de cinéfilo a rever o "they live by night" na Cinemateca e há alguém que entra aquando do assalto ao Banco...

outro exemplo (mais antigo):
estava eu a rever "o leopardo" no Nimas e há alguém que entra na sala aquando da chegada a Dona Fugata...

São pequenas grandes coisas que enervam. Acho eu...

 
At junho 23, 2006 6:19 da tarde, Blogger brain-mixer said...

Fiquem com a notícia de que criei um SPIN-OFF do brain-mixer!! ;)

Visitem já em:
brain-poster.blogspot.com

 
At junho 24, 2006 11:39 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Alfred Hitchcock foi o primeiro diretor de cinema que assisti que revolucionou a sétima arte de forma contundente (forma essa que seria seguida - com outras nuances - por Stanley Kubrick, Martin Scorcese, Sérgio Leone, entre outros). Você fala em seu post de Psicose, meu filme preferido do diretor e também um dos filmes escolhidos por mim para ser incluído no romance que estou escrevendo (romance esse que mistura história policial e produções cinematográficas). Pena o cinema hoje estar tão artificial e mesmo aqueles diretores que despontam com novidades (casos de Gus Van Sant - que, inclusive, refilmou Psicose - Paul Greengrass, Michael Winterboom, só para citar alguns) não conseguirem sequer riscar o talento dos grandes mestres (galeria da qual Hitchcock têm cadeira cativa). Abraços do crítico da caverna cinematográfica.

 
At junho 27, 2006 1:15 da manhã, Blogger Misato said...

Concordo a 300% com o que diz, sou apologista da "política Hitchcock", mas... se as salas de cinema andam progressivamente a ficar às moscas (até mesmo os funcionários são cada vez mais escassos), por diversos factores que nem vale a pena mencionar aqui, e os bilhetes cada vez mais caros... não será que isso iria tornar o público ainda mais escasso e, por sua vez, fazer com que as exibidoras não queiram aplicar essa política?

 
At junho 29, 2006 5:05 da tarde, Blogger Hugo said...

Misato,

acho que não, pois acho que o verdadeiro cinéfilo foi, educadamente, convidado a sair das salas de cinema com atitudes como esta, bem como a difusão das pipocas nas salas...

Quanto à perda de público, isso leva-nos para outra discussão: acaso o quse monopólio de distribuição que impera não contribui para o esvaziamento das salas? Quando, no último ano, os filmes mais vistos eram produções independentes, eu diria que, provavelmente, essa perda de público tem uma boa explicação...

Abraço!

 

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