quinta-feira, março 30, 2006

O Post (15)

Post: Para que serve o cinema
Blog de origem: Cinecasulofia
Data de nascimento: 08 de Março de 2006
Bloguista: Cinecasulófilo
Localização:
http://cinecasulofilia.blogspot.com/2006/03/para-que-serve-o-cinema-pelo-menos.html


E para si ??? Para que serve??? (Se é que tem de servir...)
lmarchao


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Para que serve o cinema (pelo menos para mim e às três horas da manhã de uma terça-feira) ?
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Envolver-me de forma mais profunda com o cinema me fez aprender um conjunto de coisas: conhecer o funcionamento de um conjunto de equipamentos, intuir o sentido de um plano como um recorte da realidade, constatar que, enfim, nenhuma imagem é gerada de forma espontânea, ou seja, é parte de um processo de construção ideológica que envolve necessariamente uma construção, uma fabricação. Mas acima de tudo a minha atração pelo cinema não foi tanto pela dimensão técnica ou pela ideológica, e sim por sua dimensão humana: eu, quando me encontrei com o cinema no início da minha adolescência, era um garotinho com um punhado de problemas, e me sentia diferente das pessoas ao meu redor, e sofria com isso. O que o cinema me passou foi uma visão da tolerância: através dos múltiplos olhares dos autores (e atores) de cada um dos mais estranhos e diferenciados filmes com que me deparava, fui observando que no fundo somos todos diferentes, e que não era apenas eu que me sentia distante e acuado ante a “miséria do mundo”. Isto é, por um lado, o cinema me fez conhecer “irmãos de alma”, travar contato com olhares que se aproximavam do olhar diferente e distante que eu tinha do mundo e das pessoas que me rodeavam na escola, em casa, na rua. Por outro, o cinema me mostrava olhares diferentes dos meus, e que ainda assim, me eram irmãos, porque, assim como eles, eu poderia entender o que significava ser diferente, e eu os respeitava por isso. Por isso, a grande lição do cinema para minha vida sempre foi a possibilidade da diferença de olhares, sensações e visões do mundo, a possibilidade da tolerância e do respeito à diferença.
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Assim sendo, nunca consegui aceitar as pessoas que têm um conhecimento íntimo de cinema mas que insistem em repudiar a diferença, que denigrem a possibilidade da divergência por trás de um suposto “academicismo” teórico. Porque, para mim, a essência do cinema sempre foi a negação da autoridade e do instrumento de poder, para afirmar a legitimidade do diálogo e da multiplicidade de leituras. As minhas maiores brigas dentro do pequeno mundo do cinema sempre foram nesta direção.
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O cinema, mais que cidadão, me formou como ser humano. Foi a minha “escola de vida”: através de seus olhares, enquadramentos e cortes, passei a respeitar quem era diferente de mim, exatamente porque lutava pela possibilidade da diferença.
Não sei porque mas ver The Brokeback Mountain me lembrou disso. Talvez seja na cena em que o protagonista vai à casa dos pais do amigo (amante) já morto. A mãe deste leva o visitante até o quarto do amigo. Ele olha o quarto, vai até a janela, e abre-a, colocando um pedaço de madeira para escorar a janela. Não sei porque, mas essa cena me lembrou o final de Não Amarás, que mexe muito comigo. O visitante de Brokeback era como Magda (a mulher de Não Amarás), revendo, a partir de uma ausência, uma lembrança que não pode ser mais revertida, e que se perde no espaço vazio. Tudo estava ali naquele quarto. O quadro, o tempo e o corte de Ang Lee são extraordinários. Heather Ledger olha pela janela. Ali está o cinema. Lembrei-me que tenho uma obsessão por filmar quartos, porque acho que eles transmitem uma aura de intimidade. Encontrei várias motivações minhas ali perdidas naquele quarto e me lembrei do que o cinema tinha me possibilitado, lá no início, na época quando vi o quarto de Não Amarás pela primeira vez.
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Nota: Este post foi retirado e é parte integrante de Cinecasulofia.